quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Entrou pela névoa e deixou-se embalar por compassos de pausas e tempos de espera. Prometeu não demorar muito, a revolução já tinha partido, faltava apenas devolver cada pedaço ao lugar seu que é devido. Perderam-se mil e tal segundos de afectos, mas as histórias vivem durante o tempo que as fizermos viver, enquanto forem lembradas duram para lá do que mais certo nos pertence. Aninhou-se para se proteger do frio e encontrou-se dentro de si. Seriam certamente nove horas da noite e só o silêncio lhe permitiu acomodar-se. A confusão dos seus espaços precisava de ordem, uma mão que pegasse nos cacos e os levasse para longe, plantando-os nalgum planalto seco onde não mais do que pó se tornariam.

Sofia, Setembro 2008

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Não há manobra mais infiel e menos fácil que essa de fugir do que nos espreita. Trago-te em mim como se fosses apenas descanso de um dia de Inverno amargo e nublado, uma réstia de calor e de Verão por entre a chuva que cai. Quanto mais me releio nas histórias nossas onde entrei, maior é a necessidade de me negar, de abafar-te uma e outra vez, não vás tu querer saltar-me de uma página inacabada. Estarei a mentir se disser que não me fazes de maneira nenhuma estremecer, que me mantenho incrédula à tua inquietante passagem. Não sejamos hipócritas quando falamos de coisas sérias.
Só aprendi a defender-me, a não pedir abrigo no teu ombro que cai, a não procurar o teu semblante afinado e franzino, a ter-me mais em conta do que a qualquer farrapo que possa vestir. Hoje eu vejo-me de cima, como se fosse um ponto no centro de uma lente convexa de luz e brilhos que não têm mais fim.
Deito-me nas redes que nos embalaram até partirem de tão gastas, e ponho-me a escrever o que não, o que jamais nos sairá numa ou outra conversa ocasional a meia luz.
Imaginamos o que nos falta e engrandecemos o momento de nos vermos de maneira escassa e indefinida. Só desta vez. É isso que dizemos. E eu passo a esquartejar-me delicadamente esperando que na dúvida corras para salvar-me e me ates os pulsos e os tornozelos para me obrigares a nem dar sequer a hipótese de me ausentar daqui por uns quantos segundos. Pedaço a pedaço encarno-te e lá estás tu a cair-me tão bem. Só em mim assentas que nem uma luva. Podia enumerar algumas razões que me levam ainda a trazer-te no porta-luvas do carro, em forma de cd ou coisa do género.
Quem dera que fosse hoje, oferecer-te a minha mão e acalmar a tua ânsia de abrigo.Quem dera não ter seguido para os lados sem ter olhado antes o semáforo, nem me atropelar a mim própria com gestos e segredos que enterraram até à testa. Quem dera ter tido as rédeas na mão e parado no entretanto em que ainda era tempo, ter apenas pedido licença à estupidez e abraçar-te enquanto ainda havia colo teu para me amparar.

Sofia, 2008

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Serão as paredes desta casa e tudo o que dela ficará que hão-de abafar as passadas abrangentes ao misterioso presságio que agarra o soalho e tresanda a naftalina em bolas ou noutros formatos que não sei precisar. Procuro a sincera melodia de ouvir de alguém ávido de abrigo contar a falta que não causa a solidão, a frustrante aceitação de que o nosso tempo já foi, que se eram folhas, o vento as levou. Não levantamos a mão para impedir o relógio de correr, nem o conseguiríamos fazer, mesmo se o ousássemos tentar. Mas trazemos os bolsos cheios de rasgões e de feridas que perfuram até ao centro do coração, e culpamos o mundo de tudo o que nos trouxe lágrimas e lutos de viver. Quando não temos mais nada a perder acomodar parece ser sempre a solução, e depois, cruzar os braços e os pés esperando numa cadeira de baloiço uma ou duas doenças crónicas que nos apaguem a memória e nos tornem inertes a tanta inquietude e conformismo.
Cairemos do tecto como a tinta que respinga em pedaços irregulares e nos tapa ainda mais os olhos, e não serão precisas cordas para prender desejos de liberdade, porque não os irá haver, não depois de nos entregarmos ao destino como condição geneticamente determinada.
Tropecemos sem muitas gritarias e lamentemo-nos baixinho, em breve o silencio vai instalar-se e não seremos mais do que pó na janela. Serão as paredes desta casa e tudo o que dela ficará que hão-de abafar as passadas abrangentes ao misterioso presságio que agarra o soalho e tresanda a naftalina em bolas ou outros formatos que não sei precisar.


Sofia, Agosto 2008

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Acredita que foste para ela muito mais do que um amor. Não te sei precisar o porquê desta minha opinião, mas quase que te posso garantir que hás-de um dia perceber o que digo. Só ficaram por pedir todas as desculpas, ou melhor, ficaram por evitar todos os erros que abriram caminho a sentimentos de culpa, só ficaram por beijar todos os beijos sumarentos e insaciáveis que da tua boca, como quem diz, das vossas bocas amargas e carregadas de exageros ainda poderiam acontecer, não fosse a tua, como quem diz, a vossa mania de orgulho ferido.
Quem vê as fotografias, quem vê de longe, digo eu, não sabe, não pode de maneira nenhuma perceber a magnífica cratera espacial que se desenhou no papel de parede cor de rosa claro da monótona felicidade a que chamavam vossa vida.
Acredita que foste para ela muito mais do que um amor. Acredita, sei-o bem.


Sofia, 2008

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Dê por onde der ,hás-de lembrar para sempre o que não disse. Não procuro sombra amena debaixo de uma árvore recortada, se o sol tende a entrar pela areia quente que nos afoga os pés, mas é som de trovoada que vem ao fundo, consigo pressenti-la, como as palavras tuas que aí virão. Engoles o ar de uma vez só, como quem se prepara para o expelir em palavras metaforizadas, de modo a não caíres em desgraça e me ferires de nódoas negras e arritmias inúmeras. Eu própria me serpenteio sem lucidez, embrenhada em erguer casulos protectores à minha volta, ainda que frágeis e descabidos, são a muralha que te exponho em meu redor. E tu a pensares que seria mais fácil se eu não te afagasse o cabelo, se não fosse preciso chamares-me à razão, que fosse eu a entender-me como intrusa, como carta fora do baralho.
Assumir que nos perdemos é injusto, se os nossos dedos ainda se cruzam em nó e a saudade me morde de raiva nos dias que os nossos passos se enfrentam por estradas diferentes. Talvez até haja uma descompensação, talvez o nosso pecado passe em sermos constantes espectadores de mentiras que camuflamos de verdades só para nos sentirmos de maneira livre e encenada, felizes.
Caio do alto da montanha e aceito-me suportar o teu discurso atrapalhado e conclusivo, há momentos que são inevitáveis. Mas não me peças para falar seja o que for depois de terminares a “serenata“. O meu desmoronar interior já faz barulho suficiente para que oiças a trinta passos a tempestade infernal em que me encontro. Está bem. Que fique apenas a certeza que não voltarei a estar disponível em catálogos de romances de bolso, dê por onde der, hás-de lembrar para sempre o que não disse.


Sofia, Agosto 2008

terça-feira, 22 de julho de 2008

Consigo adivinhar como dobraste essa lágrima e a fechaste na palma da mão. Talvez, já o tenha feito também. É quando a alma se fecha num quadrado redondo e fechado e te obriga a mudares de estratégia. Não fujo do que tenho medo de ser quando estou contigo, até porque não me manipulas como pensas. No entanto falta a coragem, o sentido de oportunidade quando te tento captar a atenção e te berro nos ouvidos mil e uma maneiras de me desembrulhares que tendes em contornar como regra prioritária. Escorregares nas palavras que digo não faz de ti menos vulgar do que um dia resolveste tornar-te e não me fintes enquanto te digo isto nos olhos. Lá estou eu a exaltar-me, a criar conflito por tudo e por nada. Cala-te. Não és tu que tens que pisar estas linhas que sigo, nem sequer lá estás se a vertigem me atraiçoar. É fácil pedi-lo aos outros, os discursos estereotipados, a posição de voz e a calma dominante de psicologia barata não fazem milagres. É cá dentro. É tudo cá dentro. E à medida que vou arrumando as minhas prateleiras, os bibelôs que partimos em aventuras de meia tigela vou conseguindo distinguir o que foi meu do que foi nosso. Imagino como te ris engenhosamente do meu relato de alterada esquizofrénica, alarmista. A deliberada magia é aquela que tu não vês e os teus olhos que já não recebem o meu estímulo, não se abrem por preguiça de sofrer. Imensa a ignorância de quem fui, por te empregar os termos mais sublimes do meu dicionário. Não coxeies mais, de amor partido e pendurado, dobrando lágrimas como quem carrega estrelas e mares ao pescoço, ou eufemismos e falácias mal empregues.

Sofia, 2008

sábado, 19 de julho de 2008

Feito por medida. Espero que gostes.

Um nome. Duas pessoas. Uma vida. A minha vida. A de sempre, a recente. As mulheres, digo eu. Aquelas que se tornaram insuficientes, que me abriram um abismo nalgum recanto da alma, digo hoje, quando as vejo de tão longe.
De um passei a dois e confesso que houve alturas em que chegámos a ser três. Triângulo amoroso, um trio, sei lá, o que quiserem chamar-lhe. Até podia ter uma, mas se não tivesse a outra já me encontrava completamente insatisfeito como se a vida tivesse em dívida para comigo.
Fui-te amando. Sim, a ti. Tu sabes que agora falo para ti. Não foi amor à primeira vista, assumo, e não pensei que me causasses tamanho estrago quando resolveste deixar o meu espaço sem perguntares ou me deixares perguntar porquê.
Ainda me questiono se foi pela voz ruiva, ou pelas sardas espicaçadas, mas foste-me tornando assim, submisso e apaixonado. Só teu fui ficando. Porque ela, sim, a outra, aquela que te precedeu, foi-se desvanecendo transformando-se apenas na lembrança de um grande amor que por mais tempo que passe não conseguirei negar.
Mas foi por ti, por ti amor, que enfrentei marés e tempestades, foste tu que me levaste a moldar e a querer dar sempre o meu melhor, que acredito continuares a merecer.
Hoje, a ausência de uma relembra a falta de outra.
Três, dois, um. Sobro eu, sem uma nem duas. Mas nada nem ninguém me pode tirar tudo aquilo que um dia me deram, enquanto de modo mais ou menos indecente nos beijámos e amámos, jurando amor eterno e planos para a vida inteira.
E sou feliz, porque de uma maneira ou de outra vos trago comigo. O que mais importa é que em algum lugar do tempo só a mim pertenceram. E nesse lugar, garanto-vos que serão sempre minhas.
Por enquanto conto comigo e com uma mão cheia de sonhos. Como dizem por aí “Não há duas sem três.” Talvez não haja mesmo.
É tudo uma questão de esperar para ver.


Sofia, julho 2008

segunda-feira, 7 de julho de 2008

"Porque é que fodemos o amor? “

Miguel Sousa Tavares responde:

“Porque não resistimos. É do mal que nos faz. Parece estar mesmo a pedir. De resto, ninguém suporta viver um amor que não esteja pelo menos parcialmente fodido. Tem que haver escombros. Tem de haver esperança. Tem de haver progresso para pior e desejo de regresso a um tempo mais feliz. Um amor só um bocado fodido pode ser a coisa mais bonita deste mundo."



Eu digo que não dá para acreditar em finais felizes. Não os há. Não os inventem. Cambada de lamechas e lunáticos! Vão em vez disso encher os ombros de casualidades, dispersem-se nos dias fumarentos, limitem-se a não beber mais do que três cafés por dia, a pagar as contas a tempo e a afogar as malditas histórias de amor em litros de cerveja. O amor é o mesmo que conduzir em dias de nevoeiro. Uma manobra de fugir à solidão individual a que todos estamos definitivamente condenados. O amor é a pior das dores de dentes, a mais dolorosa das enxaquecas, a derradeira e espicaçante dor menstrual .
Não vale a pena perdermos tempo a procurá-lo, a escrevê-lo, a cantá-lo. O amor é aquele espacinho de tempo entre o acordado e o adormecido em que inconscientemente pensamos que o mundo pesaria menos se o carregássemos com alguém.

Sofia, Julho 2008

sábado, 5 de julho de 2008

"In loving memory"

"Thanks for all you've done
I've missed you for so long
I can't believe you're gone and
You still live in me
I feel you in the wind
You guide me constantly

I never knew what it was
To be alone...no
Cause you were always
There for me
You were always waiting
But now I come home
And I miss your face so
Smiling down on me
I close my eyes to see
And I know
You're a part of me
And it's your song
That sets me free
I sing it while
I feel I can't hold on
I sing tonight
Cause it comforts me

I carry the things
That remind me of you
In loving memory of
The one that was so true
You were as kind as you could be
And even though you're gone
You still mean the world to me

I never knew what it was
To be alone...no
Cause you were always
There for me
You were always waiting
But now I come home
And it's not the same no
It feels empty and alone
I can't believe you're gone
And I know
You're a part of me
And it's your song
That sets me free
I sing it while
I feel I can't hold on
I sing tonight
Cause it comforts me

I'm glad He set you free from sorrow
But I'll still love you more tomorrow
And you'll be here
With me still
All you did you did with feeling
And you always found a meaning
And you always will
And you always will
And you always will

And I know
You're a part of me
And it's your song
That sets me free
I sing it while
I feel I can't hold on
I sing tonight
Cause it comforts me"

ALTER BRIDGE

Arrepiante. E é com ela que acabo por adormecer. Hoje,nenhuma palavra minha seria suficiente para arrebatar esta música e tudo o que ela me trouxe.

Sofia, Julho 2008

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Traz-me flores, uma pequenina para eu pôr no cabelo. Enche-me o colo delas, para que não sobre nem um pedacinho de mim a descoberto. Se quiseres podes ficar, temos tanto para dizer. Já sabes como funciona, o portão está sempre aberto, é só entrares e deixares que os teus passos façam o resto por ti. Podes procurar-me em cada canto, nalgum hei-de estar certamente, não posso é ficar parada à tua espera com tanto que tenho para fazer. Lembra-me de pôr perfume, de dar um jeito perfeito no cabelo e de vestir aquele vestido justo, que me está mais largo agora. Sim, emagreci, mas não perdi as formas de curva contra curva que me apreciavas segurar.
Só estou mais leve, e comigo apenas ficaram as lembranças boas tendo o tempo se encarregado do resto. O pó que não há entre os livros que por aqui deixaste nada mais quer dizer senão a falta que me fazes e as quantas vezes que te tenho procurado folha acima, folha abaixo nestas histórias decoradas que já misturo de tanto pormenor interpretado. Cada parede desta casa ainda chora a tua ausência/ presença ambulante sempre que vens em visita de médico, como padre ou senhor dos correios. Traz-me um beijo. Pode ser breve e morno, convenhamos que já não somos um casal apaixonado. E um abraço também. De tudo o que me levaste, confesso que é dos abraços que ainda hoje me lembro cada vez que a porta se abre e eu te vejo correr casa dentro. Para assim e mais uma de tantas vezes, me vires encher de flores, o regaço.


Sofia, Julho 2008

terça-feira, 1 de julho de 2008

São os pássaros a esconderem-se na copa das árvores e ela a adivinhar o que se perderá se ele partir. Será o descalabro se as botas dele descerem pela última vez aquela estradinha íngreme e deserta. Já não há pedidos de desculpas que possam servir para apaziguar os gritos, ainda que mudos, de alguém que se perdeu faz hoje precisamente muito tempo.
Sempre se deu conta que as botas seriam demasiado pesadas para ele, ele demasiado para ela, e ela demasiado pesada para si própria. E quantas foram as vezes que se abraçaram entre lágrimas e pés frios, jurando mentiras que já se sabiam ser apenas isso mesmo, ainda assim camufladas de verdades a longo prazo.
Hoje falta o silêncio na hora certa, e falta na hora certa porque há sempre silêncio. Falta a meninice, o sentido de abraço e de beijo, a noção de definir o que são eles ainda, um a um, quatro menos dois, como parte ou como o todo. O tempo encarregou-se de os tornar repelentes de si mesmos, apelantes de frustrações e risadas ensaiadas para as mesmas piadas, os mesmos momentos repetidos do dia. Olhar para trás não adianta nada, ninguém vive de memórias, ninguém é feliz com canções, cheiros ou sabores que fazem lembrar aquilo que fomos em tantas alturas, aquelas que consideramos agora, terem sido o tempo das nossas vidas. A raiva foi-se tornando mágoa, o amor se existia, hábito. E o relógio, as obrigações e responsabilidades dos momentos encarregaram-se de tornar o afecto como um adorno sem importância. E ela chora por dentro, não tem mais palavras molhadas para materializá-las, enquanto ele abafa as suas feridas por baixo de uma carapaça de cortiça fragilizada e esburacada em tempo de Inverno. Se para ela as lágrimas são palavras molhadas, para ele não passam da fraqueza dos loucos e deslocados. Não se amam. Talvez nunca se tenham amado. Mas ela não consegue sequer imaginar o que se perderá se ele partir. Será certamente o descalabro se as botas dele descerem pela última vez aquela estradinha íngreme e deserta, a qual dizem sempre de modo ostentoso, “levar à porta da nossa casa”.

Sofia, Junho 2008

sexta-feira, 23 de maio de 2008

"Cem anos de solidão"

Fui-me acordar para ter a certeza que ouviria de mim umas quantas frases batidas, mas sentidas alusivas á grotesca agenda de números e dias onde definha a linha em que me apoio para não ir caindo tanto. E mais uma folha que se risca, já passou e já morreu, “um dia a mais do que ontem” como dizem por aí.
É Primavera mas faz frio demais para me suportar ardida em ânsias e suores como quem não vê um palmo à frente dos olhos. Começa tudo a enublar-se, quanto mais fundo me arrumo, nas folhas rasgadas de outros “carnavais” que releio em jeito de repescar o melhor dos piores dias que passei.
Hoje vem gente para jantar e vou sentá-los um a um como se fossem meus e vou ser eu a introduzir as palavras que me apetecer, sejam elas apenas do meu interesse.
Afinal, não é apenas por não querer estar sozinha, é por ter medo de estar sozinha. Ás vezes estou eu e o gato, às vezes está o gato e eu. Às vezes nem um nem outro. E tem que haver alguém que precise de ouvir o que eu tenho para dizer, estas paredes já se tornaram obedientes demais e deixam-me sempre frustrada enquanto se mantêm imunes em dar-me uma resposta esclarecedora ao que incansável e obsessivamente lhes impregno a escutar.
Não faço questão de pedir desculpas se me tornar maçadora quando começar deslindar os textos tantas vezes ensaiados ao espelho, de revolta, pesar e profunda sede de querer apenas um pouco mais.
Não me peçam para parar se acharem que realmente me alongo e me excedo de maneira desmedida nos meus desabafos de agora. (Juro que estou a tentar recortar os melhores momentos de mim).
Fiquem mais um bocadinho, é que preciso tanto de alguém.
É que por mais que tenha ausência de tudo, sobram-me sempre duas mãos cheias de solidão.


Sofia, 2008

domingo, 18 de maio de 2008

Falta de tempo

Nos dias que correm dou por mim a perguntar o porquê de mais um sem fim de coisas que me remoem o juízo.
A idade dos porquês não morre nunca. E não morre porque há sempre um “ je ne sais quois” que resiste e nos tira o sono a toda a hora.
Aqui estou eu sentada numa corriqueira estação de autocarros, embrenhada em olhar quem passa, quem vai ficando. Á espera. “Esperamos todos”, penso.
E vamos ficando assim, apinhados em hora de ponta, alguns em pé outros sentados, inventando formas e apetrechos para “queimar” tempo.
Uns com os phones “atarrachados” nos ouvidos, outros a “esfumaçar” cigarro atrás de cigarro, uma senhora que lê Lobo Antunes. ( quero ler aquele livro) e outros simplesmente que olham, como eu.
Momentos mortos, indústria do nada. Whatever. E ainda levamos a vida a queixarmo-nos de tudo o que heroicamente faríamos, não fosse a derradeira, a engenhosa falta de tempo. Não é tempo que falta aqui, meus caros. É atitude.
Gente confinada à rotina de hoje e de qualquer sempre, hibernados em redomas de vidro, preocupados exclusivamente com o facto de não dar passos maiores que o estúpido quadrado limitante e limitado ao qual se propuseram obedecer.
Fugimos todos dos olhares uns dos outros, não vá a boca querer sorrir, e depois…
Qual quê! Não se sorri! (“cada macaco no seu galho”)
E os minutos partem, as pessoas partem com eles dando lugar a outros que chegam, com novas bagagens, novos sonhos, novos quadrados.
Também eu me vou embora. Sem ter falado com alguém, sem ter sorrido a uma “alminha” sequer. E somos todos felizes assim.
Ponho a mala às costas, sigo para casa. Adeus, até segunda-feira!
P.S- Tenho mesmo que arranjar tempo para ler aquele livro.


Sofia, 2008

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Das duas uma: ou é ou não é. Trinta e cinco minutos (mais coisa, menos coisa) depois da porta fechar não me venhas dizer que afinal decidiste. Eu também não sou flor que se cheire, tantas as vezes que brinco contigo como se fosses um boneco de trapos que eu gosto de manusear e usar nos meus teatrinhos boémios. Há dias em que não me convéns, desculpa. O amor tem destas coisas, tudo muito perfeitinho é agoniante, para não dizer erróneo.
Não contes com a minha esquisitice rabugenta nessas tuas expedições ao fim da porta, nas fitas de “vou-me embora, não queres saber de mim”. Não me ponhas no mesmo saco que enches de laranjas do quintal, que eu não sou pêra doce e muito menos sumarenta. Estás farto de me veres descer as escadas e remoer cada pedacinho do que sou e eu estou farta de sarar feridas, para depois ter o corpo tatuado de cicatrizes.
Tenho a paciência a fritar com os pastéis para o almoço e não dou mais um passo além do que a minha consciência me permite.
Não me digas que sou eu a culpa de tantos pratos partidos, de tantas lágrimas choradas.
Posso gostar de ti, até assumo. Mas gosto muito mais de mim. E faz tempo que foi a última vez que cedi. Põe as mãos na cabeça, grita, faz o que quiseres. Se queres ficar, fica. Mas estás muito enganado se pensas que estou para aí interessada em mais uma cena de novela barata. Das duas uma: ou é ou não é. Ou continuamos já a viver, saltando a fase das desculpas e arrependimentos mesquinhos, ou sai porta fora e não voltes nunca mais.
É que faz-se tarde, tenho o fogão no máximo e para variar, esqueci-me de virar os pastéis.


Sofia
Dei por mim a pensar que é nestes dias que ainda espero que me entres pela casa dentro com um sorriso rasgado na cara, de malas às costas e perfume a condizer.
Que não precises de dizer que ficas, que seja eu adivinhar pelo jeito como te moves desta vez, com rota definida e as coordenadas todas palmilhadas de cada pedaço de chão que pisas.
Deixa que seja eu a pedir que me abraces e não me atires areia para os olhos ao vires dizer-me o quanto estou bonita de manhã. Deixa-me olhar para ti e adivinhar-te com as pontas dos dedos, subindo e descendo cada centímetro da tua respiração e do teu gemer elegante quando te abraço com um bocadinho mais de força.
Eu desligo a televisão, não quero ouvir nada além de ti. Hoje não vou precisar de perguntar se ficas para jantar, a que horas te exigem noutro lado, hoje ficas e pronto. Ponto.
Não me venhas com histórias e mais histórias de “toca e foge”, “volto já” que não estou interessada noutro capítulo dessa banda desenhada que dizes sempre em tom conformista, ser a vida.
Aconchega-te a mim e diz que eu te sou suficiente. Não, melhor! Que eu te sou essencial.E quando eu te pedir para me abraçar, abraça-me, não tenhas medo de gastar os abraços e os beijos e os silêncios necessários e breves.
Podes deixar tudo onde está. Podes deixar tudo como está.
Apenas não me faças acreditar uma e outra vez que não passo de um farrapo sonâmbulo numa noite vestida de insónias.

Sofia, 2008

terça-feira, 13 de maio de 2008

Não me causas mais ausência do que um dia de Agosto berrante. Até te podia dizer que te quero para sempre, mas para sempre fica tão longe, que mais perto não estarás do que a corrida fugidia em direcção ao epicentro do exagerado.
Sim, é verdade. Não tenho como não te amar. Não encontro a sintaxe, a semântica, sei lá mais o quê que se ajuste ao que de inacreditável tens sido para mim. São os bilhetes que trago na carteira, as velas que se esgotam no escuro do meu quarto, é o perfume da tua camisola que ficou por aqui…a guitarra ainda ontem tocada, ainda hoje largada a um canto…
Já te vestes em mim ajustadamente como se te tivessem concebido apenas com esse mesmo fim.
Apertas-me, largas-me, empurras-me contra a felicidade até bater com tanta força que até dói…
E a nossa loucura está plantada neste vasinho, que espera, já não é vasinho, já ultrapassou há muito, já enraizou, já abraçou chão firme… é nossa, deixa a ser, enquanto a pudermos viver não haverá nada melhor do que ser loucos. Juntos. Até que o para sempre se torne paranóico . Até lá, seremos simplesmente um. Um de dois, dois mais nenhum, cada um com loucuras diferentes, no entanto tão inseparáveis.

Sofia, 2008
Antes de mais qualquer coisa, tenho que dizer aqui explicitamente, que todos os textos apresentados são da minha autoria, o que não quer dizer que sejam todos autobiográficos.
Aqui construo e desconstruo a história de personagens que por uma razão ou outra me marcaram, mesmo que sejam apenas fruto da minha imaginação e nunca tenham sequer existido.
Portanto, as/os protagonistas das minhas histórias NÃO SOU EU.
Beijinhos, Sofia

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Em jeito de " Boas vindas".

Não vale a pena procurar sem ter vontade de encontrar, tal como não vale a pena mentir. Ligas-me hoje e amanhã outra vez e os dias passam e nós passamos com eles e o que fica é pouco para o muito em que apostei. E uma chávena de café, que tem chá, não interessa. Caiu. Caco a caco deixei-a ficar. Não consigo desviar os olhos das pinturas berrantes de tão secas das paredes ásperas e frias do meu quarto. E vejo as fotos, aquelas que em tempos foram, aquelas que nos sugaram a alma e a cuspiram para sempre num balde de lixo de esquina. E lá está tu a surgires-me outra vez das mãos, obrigando-me a desenhar-te preto no branco. Continuas esguio, magro, alto, perfumado e as tuas mãos...espera que fico sem fôlego. Passo-te um risco por cima, não te posso continuar a recortar e a fazer colagens com pedaços de ti que já não são meus.
O chão é madeira podre e os cacos da chávena de café, que enchi com chá abrem caminho por entre os tacos do soalho. O telefone toca e eu tenho que atender, porque sei que és tu, só podes ser tu. O chão dilata e um caco dos cacos crava o meu pé a fundo. Mas só podes ser tu e é agora que as fotografias vão cheirar a polaroid renascida. O telefone toca, o pé esvai-se em sangue e eu corro para atender.
Era engano. Na verdade, acho que sempre foi. Tudo o que sobra é um chão de madeira podre banhado a sangue. Só resta a presença insuficiente da esperança necessária que arrastei.

Sofia, 2008